Que cases. Que te juntes numa cerimónia
branca e imaculada, rodeada de família e amigos. Que tenhas filhos depois. Só
depois. Esperam de ti, mulher, que saibas, no mínimo, estrelar ovos e que
gostes de homens. Mas que sejas fiel. Ordeira e arrumada. Limpa e asseada. E
que dês de mamar. Que sejas incansável na função de mãe, sem lágrimas ou
dúvidas. Mãe que é mãe nunca se arrepende de nada. Nem de os ter. Nem do que
faz. Nunca questiona os conselhos dos mais velhos.
Esperam de ti isso e mais. Que qualquer
sensação de fraqueza é para erradicar do peito e da cabeça. Esperam que se te
dizem que deves dar peito até aos dois anos, é para cumprir. Que se não sentes
qualquer gozo nisso, és menos mãe. Menos capaz. Menos mulher. Esperam de ti um
parto normal. Gaja que é gaja, tem parto vaginal. As outras são umas “meninas”.
Esperam de ti a boçalidade da pré-história.
Esperam que tenhas os filhos sempre
limpos e que lhes dês banho todos os dias após uma refeição sem fritos ou
salsichas. Esperam que a roupa do homem com quem casas, porque é suposto
gostares de homens, esteja passada a ferro. Que se não podes, contrata alguém.
Esperam que não haja vincos na tua
camisola quando vais trabalhar todos os dias nem nódoas de ranho ou papa.
Esperam que tires um curso. Que sejas “alguma coisa” mas que consigas ter a
casa num brinco, sem pingo de pó ou brinquedos fora do sítio.
Esperam que sejas magra. Atlética. Que
corras todos os dias. Ou dia sim, dia não, vá. De depilação feita e unhas
coloridas. Que faças bolos ao sábado. E que não tenhas as raízes do cabelo por
fazer. Esperam que te comportes bem e que nunca bebas um copo a mais para não
caíres em figuras ridículas. Que nunca sejas daquelas que urina entre dois
carros, no meio do Cais do Sodré.
Esperam isso. Esperam mais. Que nunca
adormeças maquilhada porque sujas a fronha da almofada. E que não te separes.
Aguenta. É suposto aguentares porque tudo dá trabalho na vida. Por isso, é
suposto esforçares-te. Pelos filhos. Por ti, não. Não carece. Por ti, não. E
pela imagem. A imagem. E o que gastaram naquele casamento sumptuoso! Não.
Aguenta, se faz favor. Pelos teus pais e pelos teus filhos. Esmera-te. É capaz
de ser culpa tua.
Esperam isso de ti. E não convém
falhares. Esperam que tenhas sempre a louça na máquina e a roupa estendida. Que
a cama esteja sempre feita. Todos os dias. Esperam de ti pouco rasgo. Se
pensares demasiado, vais questionar demasiado. Ser curiosa ainda vá. Reflectir
é evitável. Não esperam que sejas uma grande intelectual ou que fumes charutos
ou que gostes de brandy. Vais beber licor de café ou vinho do porto e fumar
qualquer coisa com sabor a mentol. Esperam de ti a dignidade. Que aceites o
assédio como um galanteio. Esperam que uses saltos altos todos os dias e que
uses um perfume que enche o elevador. Esperam que sejas isto. E mais. Só não
esperam que sejas feliz.
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